terça-feira, 16 de novembro de 2010

“Fé em Deus e pé na tábua”



A Editora Rocco lançou no final de semana, o livro Fé em Deus e pé na tábua – ou como e por que o trânsito enlouquece no Brasil, do antropólogo Roberto Da Matta, com João Gualberto Moreira Vasconcelos e Ricardo Pandolfi.

No mês passado, Da Matta deu uma entrevista à revista Trip em que falou da obra:

“O que você descobriu sobre o comportamento dos brasileiros estudando nossos motoristas?

Que nosso comportamento terrível no trânsito é resultado da incapacidade de sermos uma sociedade igualitária; de instituirmos a igualdade como um guia para a nossa conduta. Nosso trânsito reproduz valores de uma sociedade que ser quer republicana e moderna, mas ainda está atrelada a um passado aristocrático, em que alguns podiam mais do que muitos, como ocorre até hoje. Em casa, nós somos ensinados que somos únicos, especiais. Aprendemos que nossas vontades sempre podem ser atendidas. É o espaço do acolhimento, do tudo é possível por meio da mamãe. Daí a pessoa chega na rua e não consegue entender aquele espaço onde todos são juridicamente iguais. Ir para a rua, no Brasil, ainda é um ato dramático, porque significa abandonar a teia de laços sociais onde todos se conhecem e ir para um espaço onde ninguém é de ninguém. E o trânsito é o lado mais negativo desse mundo da rua. É doentio, desumano e vergonhoso notar que 40 mil pessoas morrem por ano no trânsito de um país que se acredita cordial, hospitaleiro e carnavalesco. No Brasil, você se sente superior ao pedestre porque tem um carro. Ou superior a outro motorista porque tem um carro mais moderno ou mais caro. Na pesquisa com motoristas de Vitória (ES), a maioria dizia: “Eu bebi, eu sei beber e consigo dirigir assim”. E se o outro tiver bebido a mesma coisa? “Ai não, né?” O bêbado, o barbeiro, é sempre o outro. O motorista não consegue entender que ele não é diferente do outro motorista ou pedestre, que ele não tem um salvo-conduto para transgredir as leis. No Brasil, obedecer à lei é visto como uma babaquice, um sintoma de inferioridade. Isso é herança de uma sociedade aristocrática e patrimonialista, em que não houve investimento sério no transporte coletivo e ainda impera o “Você sabe com quem está falando?” ”

Todo brasileiro – motorista ou pedestre – deveria ler esse livro.

Um comentário:

Unknown disse...

O conceito que os cidadãos, o poder público e os "técnicos" têm da relação "sociedade x trânsito" é baseado num romantismo infantil, exigindo-se dos motoristas respeito e prioridade aos pedestres, mesmo fora das faixas de segurança. Respeito não se aprende no trânsito, que, assim, somente é palco de conflitos de egos, já que, além de respeito, também não aprendemos (muito menos bem ensinamos) a nos comportar de forma prática coletivamente, reflexo de uma cultura egoísta e ignorante que não enxerga que a cooperação e o autoplanejamento nos levam de forma mais rápida e - o que seria mais importante - segura aonde pretendemos chegar, de carro ou a pé. Seria óbvio e simplório demais criticar somente o aspecto das altas velocidades ou desrespeito aos sinais, já que muitos acidentes também são causados por motoristas que dirigem à 30 km/h nas pistas esquerdas pensando que 'estão na sua', e 'que passem por cima'; por outros, que só pensam em trocar de pista 5 metros antes da necessária conversão, e acham que os outros têm que aguentar o transtorno que causam por essa postura insensata; ainda, por outros que, se a "sua" pista "pára", passam a pensar que as outras pistas fluentes devem parar também para lhes darem a prioridade na "costurada"; também por pedestres, que preferem confiar em seus deuses infalíveis do que atravessar somente na faixa de segurança; é notório o garbo de alguns que não se importam de "punir" os veículos trafegantes, fazendo-os parar em esquinas, mesmo em meio a tráfegos elevados, gerando risco de acidentes, sentindo-se então notado, prestigiado,... mal, muito mal isto tudo. Aqui em Porto Alegre os "técnicos" e o poder público, deram literalmente uma "mãozinha" para o caos: criaram a 'lei da mãozinha', obrigando os motoristas a desconfiarem de qualquer movimento suspeito de pedestres em esquinas sem faixas de segurança e contarem com a sorte de que todos os outros motoristas que vêm atrás tenham visto também a mesma "mãozinha" e, se frearem também a tempo, não baterem nas suas traseiras...; e tem pedestre adorando.. mecânicas também,... vendedores de combustíves adoram trânsitos entruncados. Há algum tempo tenho sido somente pedestre e minha postura é de deixar os carros passarem sempre primeiro, mesmo que na faixa de segurança: meu ego não exige de mim que o trânsito páre quando me vir; assim, os motoristas têm menos custo comigo e eu menos riscos com eles. Acho que é simples assim.